DASPU: moda pra mudar
14/09/2020
Natasha Lemos
O depoimento de Natasha Lemos dá uma ideia do que foi o projeto “DASPU: moda pra mudar”. A DASPU é uma marca fundada há 15 anos pela ONG DAVIDA, que trabalha na defesa dos direitos das prostitutas, e o projeto envolveu mulheres prostitutas, pessoas trans e travestis no processo de criação, produção e apresentação da performance artística num desfile.

Bruna Pires, Lua Negra e Thassia Bragança
A ideia de desenvolver uma coleção em parceria com a Casa Florescer que incluísse no processo de criação e produção as travestis e pessoas trans para fortalecer a luta desses grupos e movimentos foi se materializando.

Foto de Sato do Brasil
“Construir uma relação de confiança demanda tempo, afeto e compromisso. Nem todas têm habilidade e desejo para costura. Aproveitamos outras habilidades que cada uma tem (desenho, bordado, etc) para inserir atividades no projeto. Foi um desafio reestruturar algumas ações, ampliar e envolver outros profissionais. ”, conta a coordenadora do projeto, Elaine Bortolanza.
A construção coletiva e a criação da nova coleção trouxeram desconstruções de padrões da moda, e também a reflexão sobre como elas podem usar a moda para falar das violências relacionadas ao corpo trans. Para Elaine Bortolanza, “O mercado da moda segue um padrão muito rígido relacionados às normas sexuais e de gênero que não inclui essa diversidade e multiplicidade de corpos. Pensar a moda é discutir gênero e o estigma de puta muito relacionado à violência contra a mulher. Em situações de violência contra a mulher, a gente escuta muito, “Ah, mas ela estava vestida daquele jeito”. Essa fala está totalmente relacionada ao estigma da puta e do que se espera do comportamento feminino. ” Trabalhar moda com prostitutas, pessoas trans e travestis é mexer com essa estrutura do patriarcado.

As oficinas e o trabalho coletivo potencializaram aquelas que já tinham contato com o setor da moda, fazendo com que elas pudessem vislumbrar a experiência como uma oportunidade de trabalho.
Quem vê o resultado pode até achar que foi fácil, mas com a chegada da pandemia, os desafios só aumentaram. Muito do que estava previsto precisou ser adequado, pois eram encontros semanais com atividades de corte, costura e modelagem, coordenados por Vênus, estilista trans indicado por elas. Mas o acesso à internet para as atividades online dificultou muito o processo. Diante disso, outras pessoas foram incluídas. Uma delas foi Suzy Muniz, moradora da Casa Florescer que desenha, escreve poesia e conhece a linguagem artística. Além de conduzir o conceito da coleção nos ateliês de criação, Suzy trouxe uma reflexão crítica sobre o estigma de puta, a relação da moda com gênero e o corpo trans. Outras moradoras da Casa se somaram à equipe, cada uma trazendo seus conhecimentos e talentos.
Mas essa dificuldade acabou sendo “Um empurrão para a autonomia. Teve um auto reconhecimento, um reconhecimento de si, da trajetória, de todas as habilidades e conhecimentos ligados à moda ou áreas afins que elas já tinham, e que só foi possível a gente reconhecer quando estourou a pandemia e a gente teve que se reinventar. ”, conta Elaine Bortolanza. A flexibilização proporcionada pelo ELAS possibilitou que o recurso que iria para consultoras externas pudesse ser utilizado para pagar o trabalho delas.
Nos diversos depoimentos de integrantes do projeto, apoiado pelo ELAS em parceria com a Laudes Foundation a partir do Edital ELAS na Moda e Sem Violência, poder pensar a sua própria roupa, como você quer expressar sua identidade na roupa, a transição de gênero, roupas que foram importantes na experiência de cada uma, possibilitou o reconhecimento de si e a apropriação da potência de cada uma delas, relacionada à identidade de gênero travesti ou trans. Fez toda diferença elas se sentirem parte de todo o processo e poderem colocar sua experiência para essa grande criação, que foi o “Desfile DASPU & Casa Florescer - coleção Traviarcado”.
